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A REVOGAÇÃO DA LEI DE SEGURANÇA NACIONAL

Autoras: Alexandre Imbriani* e Carla Ripoli Bedone*
Tendo como marco os últimos anos da ditadura militar ocorrida no Brasil, mais precisamente, 1983, a Lei de Segurança Nacional foi sancionada, em tese, com o fito de balizar a transição do aludido regime para a democracia, que pôde respirar plenamente então somente a partir de 1985.

Em que pese o Estado de Democrático de Direito parecer estar cada vez mais perto, felizmente, à época, referida legislação veio com o intento cristalino de legitimar a manutenção de certas arbitrariedades do regime militar, com a cínica “desculpa” de que assim seria necessário para se realizar uma “transição” segura para a democracia. Na verdade, assim foi feito pois, em termos econômicos, sociais e institucionais, a ditadura militar havia sangrado o país, sendo necessário, portanto, reanimar o Estado de Democrático de Direito para conter os danos, sem, contudo, abandonar o autoritarismo.

O primeiro indício que se tem com relação à manutenção de certas arbitrariedades se encontrava no artigo 33, §2º da redação da Lei nº 7170/1983 (Lei de Segurança Nacional – “LSN”), então em vigor até setembro deste ano: “A incomunicabilidade do indiciado, no período inicial das investigações, será permitida pelo prazo improrrogável de, no máximo, cinco dias.”

O Código de Processo Penal prevê a incomunicabilidade do indiciado somente quando assim for despachado nos autos, além de ser somente permitida quando “o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir” (art. 21). O parágrafo único do artigo 21 do CPP, com a redação dada pela Lei nº 5.010/1966, dispõe que “A incomunicabilidade, que não excederá de três dias, será decretada por despacho fundamentado do Juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no artigo 89, inciso III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil”, ou seja, dando a oportunidade do detido, ao menos, de contatar seu advogado (“Art. 89. São direitos do advogado: III - comunicar-se, pessoal e reservadamente com os seus clientes, ainda quando estes se achem presos ou detidos em estabelecimento civil ou militar, mesmo incomunicáveis;”).

Atualmente, com a democracia em vigor, é praticamente impensável imaginar um indiciado, possivelmente detido, que esteja incomunicável. Isso porque a Constituição Federal de 1988 não recepcionou as previsões quanto à incomunicabilidade de tais legislações. Tal situação nem mesmo é possível sob à égide do estado de defesa, que determina uma série de restrição de direitos. Nos termos do artigo 136, §3º, inciso IV da CF: “§ 3º Na vigência do estado de defesa:

IV - é vedada a incomunicabilidade do preso.”3

De toda forma, apesar de também questionável a forma, (ou o mero fato), da incomunicabilidade estar prevista no Código de Processo Penal, a Lei de Segurança Nacional havia a inserido de maneira ainda pior, isto é, sem qualquer tipo de critério ou restrição.

Além disso, de forma duvidosa, a LSN estabeleceu a competência da Justiça Militar para processar e julgar os crimes contidos na legislação. Tal determinação não fazia qualquer sentido, pois a competência processual da aludida seara, nos termos do artigo 8º do Código de Processo Penal Militar, em vigor desde 1969, era (e é) de “apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria”, (crimes militares, leia-se, crimes praticados por militares). Em outras palavras, foi estabelecida uma competência totalmente dissonante do restante do ordenamento jurídico, pois os civis que cometessem crime previsto na LSN seriam julgados perante a Justiça Militar, bem como à luz das disposições previstas no Código de Processo Penal Militar, e não perante a Justiça Comum e com a devida observância ao Código de Processo Penal.

Felizmente, em meados de 2021, o Senado aprovou o PL nº 2108/2021, que, com veto parcial da Presidência da República, possibilitou em setembro deste ano a revogação da Lei de Segurança Nacional e toda sua carcaça autoritária, que ainda assombrava a democracia do país. Neste contexto, foi elaborada uma nova legislação (Lei nº 14.197/2021), que acrescentou ao Código Penal os delitos de: atentado à soberania e à integridade nacional, espionagem, crimes contra as instituições democráticas, crimes contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral e os crimes contra o funcionamento dos serviços essenciais.

Dois dos vetos do Presidente da República se deram com relação aos crimes que tipificavam a “comunicação enganosa de massa” e o “atentado a direito de manifestação”.

De todo modo, a revogação da Lei de Segurança Nacional foi uma vitória para a democracia. Além de possuir disposições totalmente incompatíveis com o atual ordenamento jurídico, sua vigência ainda acenava como um resquício do que foi um dos períodos mais sombrios da história brasileira..

*Alexandre Imbriani, advogado criminalista, atuante no escritório Fernando José da Costa Advogados, pós-graduando em Direito Penal Econômico pela FGV/SP e graduado pela FAAP/SP.

*Carla Ripoli Bedone, advogada criminalista atuante no escritório Fernando José da Costa Advogados. Pós-graduada em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e graduada pela mesma instituição. Especialização em Direito Penal Econômico em andamento realizada pelo IBCCRIM com a Universidade de Coimbra (Portugal). Membro associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

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